Como sempre, boas conversas nos fazem pensar em bons temas. E não é por acaso, já que bons papos nos remetem a interpretações da realidade.
Numa destas conversas, surgiu o tema da qualidade dos produtos agrícolas em especial nas grandes redes de supermercados do país e do exterior.
Como sempre, elogios foram rasgados aos supermercados europeus, seja por experiência de pessoas que já estiveram lá (eu nunca fui), ou por testemunhos de parentes/amigos que visitaram o velho continente. Diversos fatores foram apontados como positivos: estrutura, organização, limpeza, produtos frescos, etc.
De imediato me veio à mente um estudo da Oxfam, ONG britânica com um “braço” no Brasil, que realiza estudos em diversas áreas como: justiça social e econômica, justiça rural e desenvolvimento, entre outras.
Em 2018 eles lançaram o relatório “Hora de Mudar” que escancarou a que custo os países europeus exibem e consomem produtos de primeira linha em suas grandes redes de supermercados.
Vamos aos dados: em 2016 as 8 (oito) maiores marcas de supermercado do mundo geraram quase US$ 1 trilhão de dólares em vendas, mais US$ 22 bilhões em lucros e US$ 15 bilhões em dividendos aos acionistas.
Por outro lado, trabalhadores rurais, pequenos agricultores e trabalhadores da cadeia produtiva da pesca mal conseguiram se alimentar.
Por exemplo: Mawar é uma trabalhadora de uma fábrica de beneficiamento de camarão na Indonésia. Vivendo em um dormitório com outras mulheres, sofria pressão para produzir mais rápido e era incentivada a sequer tomar água para não “perder tempo” na produção.
A discrepância se exibe mais forte ao pensarmos que, para os moradores dos países ricos comerem os camarões beneficiados por mulheres como Mawar, 66% dos trabalhadores (as) desta área na Tailândia, vivem em “insegurança alimentar”, quando uma pessoa não tem acesso físico, econômico e social a alimentos para satisfazer as suas necessidades, conforme a definição da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
E no Brasil? Os trabalhadores, em especial do nordeste (Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte), responsáveis por grande parte da produção de Uva, Manga e Melão, vendidos em grandes redes de supermercados, são contratados por 30 dias, 3 meses e até 6 meses no máximo durante o ano.
Sem trabalho fixo para seu sustento, recebem somente 56% do que seria um salário digno para seu sustento pelas normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Tais dados constam no relatório “Frutas Doces Vidas Amargas”, lançado em 2019 também pela Oxfam.
Somente Carrefour, Pão de Açúcar e Grupo Big (ex Walmart Brasil), controlam 46,6% do setor no país, e tiveram um faturamento próximo a R$ 150 bilhões em 2019.
Por outro lado, segundo diversos estudos, existem 33 milhões de brasileiros passando fome. É um cenário descabido e cruel.
Há também algumas medidas destas grandes marcas no sentido de diminuir desigualdades de gênero e renda visando oferecer melhores condições de trabalho, no entanto, o abismo se exibe ao verificarmos os ganhos dos trabalhadores e os riscos à sua saúde, no caso do controle de pragas, por exemplo, enquanto os ganhos dos acionistas, CEO’s aumentam de forma exponencial, à custa do sacrifício de homens e mulheres simples.
Além de me parecer injusto, se torna abusiva tal relação e, independentemente de seu credo religioso, o Lema da Campanha da Fraternidade é mais que pertinente de se tratar. É mais que uma questão de “igreja”, passa a ser uma questão de humanidade e Cristã.
OBS: os relatórios citados encontram-se na página da Oxfam: oxfam.org.br
Joilton Sergio Rosa