A tomada do poder pelos militares, em abril de 1964, interrompeu os trabalhos legislativos em todo o país e deu início a ações repressivas contra movimentos dos trabalhadores na cidade e no campo. Perseguições, prisões, torturas, mortes e desaparecimento de pessoas intensificaram-se em um período de mais de 10 anos.
Do ponto de vista da legalidade, o regime militar tratou de impor alterações constitucionais sem o crivo do Congresso Nacional. Com respaldo do Conselho de Segurança Nacional (CSN), os militares decretaram 17 atos institucionais (AI) de abril de 1964 até outubro de 1969.
Oposição tolerada
O golpe de 1964 provocou também nova recomposição partidária. O Ato Institucional 2, baixado em outubro de 1965, extinguiu os partidos políticos e cancelou as eleições para governadores que haviam sido adiadas de 1965 para 1966 em 11 estados, inclusive no Espírito Santo.
Já com o AI-3, em março de 1966, os governadores passaram a ser eleitos indiretamente pelas Assembleias Legislativas.
Ao extinguir os partidos e cancelar os seus registros – determinação do artigo 18 do AI-2 –, a Junta Militar autorizou o Congresso Nacional a criar novas legendas, mas com algumas condições.
Cada proposta de novo partido deveria ser assinada exclusivamente por pelo menos 20 senadores. Como o Senado tinha 66 membros, representando os 22 estados à época, era possível a formação de até três partidos.
Além dessa exigência, também era necessária a adesão exclusiva de pelo menos 120 deputados federais. Os parlamentares optaram por formar apenas dois partidos.
Com o estabelecimento do bipartidarismo, houve um movimento de migração compulsória das antigas agremiações para as novas siglas: a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Em março de 1966, os dois partidos receberam o registro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, com as novas siglas, os parlamentares disputaram as eleições em 15 de novembro.
Nova configuração partidária em 66 no Espírito Santo (.pdf)
A quase totalidade dos parlamentares do PSD e da UDN migrou para a Arena, defensora do novo regime. A grande maioria dos parlamentares do PTB e dos partidos pequenos foram para o MDB, oposição tolerada pelos militares.
Em 1966, o Espírito Santo era habitado por 1.427.000 pessoas. Seu eleitorado era de 377.884 (26,48%). Compareceram às urnas 280.513 (74,23%), segundo dados do TSE. A Arena recebeu 172.657 votos, elegendo 30 representantes, e o MDB, com 80.510 votos, garantiu 13 cadeiras na Ales.
Parlamento capixaba pós-1964
No intervalo de 18 meses, entre o golpe de Estado e a extinção dos partidos em outubro de 1965, as antigas agremiações foram normalmente representadas no Parlamento capixaba.
Os debates sobre a nova situação política nacional foram intensos. Apesar de a maioria dos deputados apoiar o golpe militar, houve relatos de arbitrariedades, exonerações, acusações de ambos os lados e elogios a ações repressivas.
Na tribuna da Ales parlamentares se pronunciaram contra as ações repressivas, como as exonerações do padre e professor da Ufes Franz Victor Rudio, que era chefe do Departamento de Educação e Cultura da Ufes, e do reitor Manoel Carlos Xavier Barreto Filho, retirado do cargo pelos militares a 14 de abril.
O deputado Mário Gurgel, líder do PTB no estado, era favorável à manutenção do governo Goulart, embora fosse crítico ao comunismo. Com duas semanas de novo regime, Gurgel defendeu Franz Victor Rudio e dom João Batista da Mota e Albuquerque, acusados de serem comunistas. Dom João era arcebispo de Vitória e, às vésperas do golpe militar, recusou-se a coordenar na cidade a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
“Parece, pelo Ato Institucional [AI-1], que no clima que reina neste instante na Nação brasileira, pouco podendo fazer os Tribunais em favor dos pobres, dos humildes, dos obscuros, muitas vezes contra quem, por simples dívida, se levanta a pecha de comunista! Genros denunciam as sogras e sogras denunciam os genros! Vizinhos denunciam vizinhos”, bradou Gurgel, conforme registros nos Anais da Ales.
Defesas do golpe
A tribuna também registrou defesas da ação militar. Em seu primeiro pronunciamento após o golpe, o deputado Isaac Lopes Rubim (PSP) disse que havia denunciado “que os grupos de 11 (forma de organização mantida pelas esquerdas para realizar a guerrilha) estavam sendo armados às dezenas, e aos milhares, em toda a República, em todos os estados, e recebendo instruções pela Rádio Mayrink Veiga”.
“Denunciei que o IBC e a Petrobras, a Previdência Social, o Fundo Sindical financiavam a revolução comunista no Brasil, na América do Sul e em 11 repúblicas africanas”, prosseguiu Rubim. Ele recebeu apoio em apartes dos deputados Hélio Carlos Manhães (PSP) e Setembrino Pelissari (UDN).
Já deputado Parente Frota (PSD) usou a tribuna a 13 de abril para negar que fazia parte da Rede da Legalidade, resistência ao golpe militar promovida pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, por meio da Rádio Farroupilha de Porto Alegre.
Homenagens ao golpe
O Plenário da Ales aprovou, a 22 de abril, requerimento para realizar sessão extraordinária e solene em homenagem ao deputado federal capixaba João Medeiros Calmon, “um dos pioneiros do movimento revolucionário que restabeleceu no país as franquias constitucionais e o império da lei e da ordem”, conforme o texto.
Defendendo a homenagem, Hélsio Cordeiro discursou que Calmon percorreu o país (…) para levar “sua voz ao povo em geral para que este tivesse ciência do que acontecia no País com o beneplácito dos altos escalões federais, que era a marcha inexorável da nossa terra para uma República comunista”.
Na mesma sessão em que se aprovou o tributo a Calmon, o deputado Antônio Miguel Feu Rosa (UDN) comentou sobre o golpe e saiu em defesa do ex-presidente João Goulart.
Dizendo-se contra a “implantação de um sistema de alta corrupção em todos os quadros governamentais”, o udenista ponderou que, por dever de consciência, desejava “fazer a defesa de S. Exa. na parte em que se procura dizer que S. Exa. era comunista, que S. Exa. era reacionária, que S. Exa. era entreguista, que S. Exa. era integralista”.
Opondo-se a esses rótulos, Feu Rosa disse que Goulart era um nacionalista e relativizou declarações públicas de que o ex-presidente seria inimigo da exploração do capital estrangeiro e teria assinado contratos internacionais contra os interesses do país.
A homenagem a Calmon aconteceu em 15 de maio, em sessão noturna na Ales, com a presença do governador Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho Lacerda.
A Ales também homenageou outros apoiadores do golpe militar, como Carlos Lacerda (UDN), governador do estado da Guanabara; e o Coronel Newton Fontoura Reis, comandante da Guarnição Militar de Vitória e do 3º Batalhão de Caçadores.
Além disso, o Legislativo capixaba aprovou congratulações ao povo brasileiro pelo fato de o governo militar ter rompido as relações diplomáticas com Cuba.
Chiquinho Lacerda
Uma polêmica envolvendo o governador Chiquinho Lacerda e o presidente deposto movimentou o Legislativo. O governador foi acusado de apoiar Goulart antes do golpe, pois teria participado da inauguração de obra em Bom Jesus do Norte e hospedado o presidente e sua família na residência oficial no Carnaval de 1964, na Praia da Costa.
Também havia a versão de um acordo secreto entre o governador capixaba e o mineiro, Magalhães Pinto, para utilização do Porto de Vitória caso houvesse resistência ao golpe, para o desembarque de tropas americanas.
Apesar de Chiquinho negar apoio a Goulart, o 3º Batalhão de Caça (3º BC) do ES instalou, em 1965, o Inquérito Policial Militar (IPM) 535 para investigar suposta “infiltração de agentes comunistas” no Palácio Anchieta. O IPM era comandado pelo coronel Alberto Bandeira de Queiroz.
Na Ales, houve debate também em torno de outro IPM, o 534, no qual foram arrolados “como testemunhas” os deputados Manhães e Theodorico Ferraço e outros cidadãos de Cachoeiro do Itapemirim.
“Temos, em nossa pasta, documentos que envolvem autoridade e funcionários estaduais, transferindo fraudulenta e criminosamente, de Cachoeiro do Itapemirim, uma fábrica de papel que hoje está instalada em Jaboatão, no estado de Pernambuco”, disse Manhães em pronunciamento na Ales em 30 de setembro de 1965.
Ales rejeita processo
O deputado Christiano Dias Lopes Filho defendeu a aceitação do inquérito contra Chiquinho. Já Setembrino Pelissari questionou a constitucionalidade do documento, que não previa a defesa do governador, contrariando a Constituição de 1947, então em vigência.
Feu Rosa também saiu em defesa e disse que não havia no processo “elemento condenatório à moral, à dignidade e à honestidade” do governador. E argumentou que, para considerar o documento como peça acusatória, seriam necessárias cinco testemunhas.
Quatro meses depois, em 28 de janeiro de 1966, conforme o Projeto Resolução 2, a Assembleia Legislativa considerou improcedentes as denúncias de corrupção e propinas contra o governador e seu secretário de Saúde e Assistência, Gentil Barreto de Paiva.
Entretanto, a Ales acatou as acusações contra Virgílio Euclides de Miranda Sá Antunes e Elio de Almeida Viana, ex-secretários de Agricultura, Terra e Colonização e de Viação e Obras Públicas, respectivamente. O relatório da Comissão Especial foi aprovado por 23 votos contra 18.
Renúncia de Chiquinho
Sob pressão dos militares, Chiquinho Lacerda renunciou em 5 de abril de 1966 – depois de ter pedido licença do cargo em 28 de janeiro. O vice-governador Rubens Rangel assumiu para completar o mandato de quatro anos.
O desejo de destituir Chiquinho do posto vinha desde o golpe militar. Foram quase dois anos sem trégua, de intensa oposição e denúncias de corrupção e favorecimentos, apresentadas na tribuna da Ales por Christiano Dias Lopes Filho (PSD).
Nada foi provado, mas se instaurou um clima político insustentável para o governador, como relata em vídeo o atual deputado estadual Theodorico Ferraço (PP), que na época ocupava cadeira no Parlamento estadual.
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A renúncia do governador repercutiu na Ales. Na tribuna, Hélsio Cordeiro manifestou solidariedade a Chiquinho. “Não pensem que morreu para o Espírito Santo a confiança e a esperança desse povo no homem bom, no homem amigo, no homem desejoso de fazer o bem e dar alegria ao seu povo”, disse.
Setembrino Pelissari (sem partido) analisou a decisão de Chiquinho: “Na qualidade de liderado, mas acima de tudo, na de deputado que por três anos liderou a bancada (udenista) que apoiou a política administrativa do Sr. Francisco Lacerda de Aguiar nesta Assembleia, aqui estou para dizer que se encerra hoje um capítulo da história política do Espírito Santo e, na feliz expressão do deputado Hélsio Cordeiro, o episódio assinala realmente o divisor de águas entre a época do Sr. Francisco Lacerda de Aguiar e o que virá depois dela”.
No mesmo dia, em sessão extraordinária, o presidente da Casa, deputado José Moraes, deu posse ao governador Rubens Rangel, que ficou no cargo até a posse de Christiano Dias Lopes Filho.
Christiano era ferrenho opositor de Chiquinho e foi o primeiro governador escolhido indiretamente durante a ditadura. Foi eleito em 3 de setembro de 1966 e diplomado em 27 de outubro. A posse ocorreu em 31 de janeiro de 1967, no encerramento da legislatura (1963-67).
Na ocasião, os deputados elegeram, por 30 votos contra 1, o novo prefeito de Vitória. O escolhido, em candidatura única indicada pelo governador Christiano Dias Lopes Filho, foi o deputado estadual Setembrino Pelissari (Arena).
O governo militar considerava área de segurança nacional as grandes cidades, as capitais estaduais e o Distrito Federal, além das áreas fronteiriças. Nessas cidades não havia eleições diretas para prefeito.
Insatisfações com o regime
À medida que o governo militar endurecia a condução da atividade legislativa e política nos estados, crescia a insatisfação dos deputados estaduais com o regime. A recepção positiva do golpe sofreu abalo na Ales com o cancelamento parcial das eleições estaduais de 1965.
Antes disso já havia tido a eleição indireta no Congresso Nacional para escolher um militar para dirigir o país: o marechal Humberto de Alencar Castello Branco. O candidato favorito para ocupar o Palácio do Planalto nas eleições diretas de 1965 era o senador e ex-presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK), cassado em 8 de junho daquele ano.
A maioria dos parlamentares da UDN e do PSD deixou de defender o governo militar, que perdeu antigos apoiadores, como Carlos Lacerda e Ulisses Guimarães (PSD), Adhemar de Barros (PSP), entre outros líderes políticos.
Em 6 de outubro de 1964, o deputado Mário Gurgel protestou na tribuna da Ales contra a cassação do deputado federal Ramon de Oliveira Netto (PTB), tido pela ditadura como um dos políticos mais perigosos para o país. Ramon, o 13º na primeira lista dos cassados pelos militares, era nacionalista e tinha intensa atividade parlamentar.
Eleito em 1966 pelo MDB, o próprio Gurgel viria a ser cassado pela ditadura em 7 de fevereiro de 1969, perdendo o mandato de deputado federal. Quem conta essa história é o deputado Theodorico Feraço.
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Cassações de mandatos
Durante os 190 anos de existência do Parlamento capixaba, quatro deputados foram cassados, todos pelo poder central. Nenhuma das cassações foi feita pelo Plenário da Assembleia Legislativa.
A primeira foi a do deputado Benjamin Carvalho Campos do Partido Comunista do Brasil (PCB), que perdeu seu mandato estadual a 13 de janeiro de 1948 após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter cassado o registro do PCB e colocado o partido na ilegalidade.
O segundo deputado estadual cassado foi Hélsio Pinheiro Cordeiro (UDN). O ato é atribuído a um discurso proferido pelo deputado de Cachoeiro de Itapemirim com críticas ao 3º Batalhão de Caçadores.
Em 9 de outubro de 1964, Hélsio protestou na tribuna contra boatos, segundo ele, que circularam dando conta de que em discurso de 2 de outubro havia ofendido o Exército Nacional. Hélsio disse que havia conversado sobre a questão pessoalmente com o general Newton Fontoura de Oliveira Reis e por telefone com o comandante do 1º Exército, general Otacílio Urarahy Terra.
O general Newton Fontoura havia vindo ao Palácio Anchieta, designado pelo Ministério da Guerra, para transmitir o descontentamento do comando militar pelas palavras do parlamentar na tribuna. Entretanto, Hélcio disse que havia esclarecido a questão junto aos militares e releu parte do discurso feito em outubro:
“Assim é que alguns dizem que estamos ameaçados pelas Forças Armadas, pelas verdades que temos dito. E assim é que outros vêm nos dizer que grupos de oficiais, independente da vontade do Comando, resolveram punir aqueles que têm a coragem de dizer a verdade. Também assim é que várias ameaças nos têm sido transmitidas e trazidas ao recesso do nosso lar, no intuito de, naturalmente, assustar os nossos familiares e pensar que com isso conseguirão que estes militares nos demovam do nosso propósito”.
Após a leitura do trecho, Mário Gurgel se posicionou. “Diz-se que neste País há presos políticos sofrendo torturas, que há violências sem nome, que há cidadãos que se suicidam em função das arbitrariedades e violências que são provocadas contra esses cidadãos. Não tivemos notícia de nenhuma reunião militar para deliberar sobre esse assunto”.
Hélsio Cordeiro
A cassação de Hélsio Cordeiro ocorreu em 4 de julho de 1966. Na sessão ordinária do de 5 de julho, o deputado Mário Gurgel, agora líder da minoria pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), expressou sua indignação:
“Vimos protestar sinceramente, honestamente, contra a violência de que acaba de ser vítima o Sr. deputado Helsio Pinheiro Cordeiro. Não discutimos as razões da Revolução, não discutimos os motivos que a Revolução teria para assim agir. Discutimos, apenas, que temos estabelecido através das leis, dos códigos que vigiam nessa Nação e que ainda vigoram, de que é privilégio desta Casa cassar os mandatos dos seus membros. É esta Casa que investe os Srs. deputados e que deve cassar os seus mandatos”, defendeu.
Gurgel foi aparteado por seu colega Henrique Del Caro (Arena), que se solidarizou com Hélsio Cordeiro e lamentou a cassação.
Três meses depois, no dia 9 de outubro, o deputado Feu Rosa protestou, na Ales, contra a restrição à liberdade de organização e manifestação do movimento estudantil, objeto de projeto de lei no Congresso Nacional. Feu Rosa discordou das acusações de que o movimento estudantil era comunista e pediu para constar nos anais da Casa que “um modesto orador que ocupou esta tribuna teve a ousadia de manifestar a sua ideia discordando, frontal, veemente e categoricamente de qualquer restrição das liberdades estudantis”.
José Ignácio
Os deputados José Ignácio Ferreira e Dailson Laranja foram cassados em 13 de março de 1969. Ambos pertenciam ao MDB. Eles perderam o mandato por causa do AI- 5. A gota d’água para a punição foi a leitura da chamada Carta de Itarana, que até 1964 era distrito de Itaguaçu.
A carta enviada pelo padre Álvaro B. Regazzi a José Ignácio denunciava as condições de vida e de trabalho do povo de sua paróquia e de Itarana e fazia críticas à ditadura. O padre descrevia as ações dos fiscais da Fazenda do Estado contra os pequenos empresários e roceiros e afirmava que não havia hasteado a bandeira nacional em 7 de setembro de 1968.
José Ignácio leu o relato em 11 de setembro de 1968, na Ales: “acabamos de receber uma carta do padre Álvaro Regazzi, pároco de Itarana, que contém uma análise do atual procedimento da Secretaria da Fazenda do Estado do Espírito Santo e, também, da atual realidade nacional. Vamos procurar, se ao final, se o tempo nos sobrar, tecer comentários a respeito”, disse o deputado.
Dailson Laranja
Em 28 de março de 1968, o estudante Edson Luís de Lima Souto foi assassinado pela Polícia Militar no Rio de Janeiro, no Restaurante Calabouço, onde funcionava o Instituto Cooperativo de Ensino, do qual o jovem era aluno. O fato revoltou o meio estudantil e a oposição à ditadura, desencadeando manifestações e protestos nas principais cidades do país.
Na Ales, o deputado Dailson Laranja (MDB) apresentou para a apreciação do Plenário um voto de pesar pela morte do estudante.
“O deputado infra-assinado no uso de suas prerrogativas regimentais requer a V. Exa., após anuência do Plenário, a inserção na ata da Casa de um voto de pesar pela morte trágica do estudante Nelson [Edson] Luís de Lima Souto, de 17 anos de idade, que tombou com um tiro na cabeça, ontem, na Guanabara, motivado pela violência praticada pela Polícia daquele estado. Requer que do ato da Casa seja dado conhecimento a toda a imprensa nacional”. Sala de Sessões, 29 de março de 1968”.
Laranja fez um longo discurso de protesto e ao final citou a subida dos preços da gasolina, do gás, da cesta básica e o valor baixo do salário mínimo. Foi apoiado pelo deputado Hélio Machado de Miranda (MDB). Hugo Borges (MDB) fez um paralelo entre os movimentos dos estudantes cariocas e capixabas, que reivindicavam também melhorias no restaurante da Ufes.
Em 13 de março de 1969, às vésperas do encerramento do recesso parlamentar, o Executivo federal publicou a cassação de José Ignácio e de Dailson Laranja. Em junho de 2018, a Ales realizou ato para devolução simbólica dos mandatos aos deputados cassados.
Parlamento amordaçado
Com a Constituição de 1967 e posteriores alterações e a Lei de Segurança Nacional (LSN), que tipificou o crime de segurança, a livre expressão dos deputados foi cerceada com a limitação da imunidade parlamentar.
Esse cenário jurídico-político repercutiu diretamente na pauta do Poder Legislativo. Em 1980, o deputado Lúcio Merçon (Arena) relatou: “Esta Assembleia tem aprovado projetos de denominação a colégios, viadutos, praças, galpões, hospitais (…)”, comentando a natureza dos projetos aprovados pelos parlamentares, referindo-se ao esvaziamento do poder fiscalizador do Parlamento.
O Parlamento somente funcionava para que os deputados fizessem discursos, votos de congratulações, votos de pesar, voto de aplauso.
Raramente o Poder Legislativo fazia críticas ao governo ou propunha leis. Os deputados não tinham poder para apresentar projetos que redundassem em despesas para o governo. Na verdade, apenas aprovavam os decretos emitidos pelo governo, funcionando como cartórios.
Economia
A partir de 1964, o Brasil iniciou um novo ciclo econômico capitaneado pela elite conservadora tutelada pelos militares.
Essa fase foi caracterizada pela centralização da economia e criação de 47 estatais em setores-chave, como Imbel, Nuclebras, Infraero, Siderbras, Eletrobras, Embraer, Embratel, Embrapa, Embratur, Embrafilme, Telebras, ECT, Dataprev, Radiobras, EBTU, Portobras e BNH.
Além disso, foram realizados projetos estruturantes como o da Central Elétrica de Itaipu, a Transamazônica, entre diversas grandes obras. No Espírito Santo, o Porto de Tubarão foi inaugurado em 1966.
Em maio daquele ano, requerimento dos deputados Setembrino Pelissari e Deomar Bittencourt Pereira (ambos da Arena) congratulou o povo brasileiro pela inauguração do Porto de Tubarão, “gigantesco passo do nosso progresso econômico e que colocará nossa Pátria no primeiro plano das Nações que contribuem para o desenvolvimento técnico da civilização”.
Crise da energia
Assunto econômico com repercussão na Ales, a crise da energia elétrica no Espírito Santo, iniciada no final da década de 1950, ganhou novos contornos com a ditadura militar.
A Central Brasileira de Força Elétrica, do grupo American Foreign Power Company, aumentou a tarifa sem, no entanto, garantir a distribuição da energia. Com o golpe de Estado, os capixabas, temendo represálias dos militares, voltaram a pagar as contas de luz.
O preço, que antes do golpe era de Cr$ 20 o quilowatt, passou em abril para Cr$ 64, o maior do Brasil. O assunto foi a plenário inúmeras vezes, nas vozes de vários deputados, todos contra a prática da Central Brasileira.
O assunto teve projeção nacional devido a um jovem deputado de primeiro mandato, Theodorico de Assis Ferraço, cuja base eleitoral era Cachoeiro do Itapemirim, no sul do estado. Depois de conversar com o então governador Chiquinho Lacerda, Ferraço decidiu levar o fato ao presidente da República, marechal Humberto de Alencar Castello Branco, em Brasília.
Na sessão de 14 de julho, o Plenário da Ales aprovou requerimento com votos de congratulações à imprensa carioca, em especial ao jornalista cachoeirense Rubem Braga pelas reportagens sobre o problema da distribuição de energia no estado.
Na Ales, Antônio José Miguel Feu Rosa (UDN) elogiou a atitude de Ferraço, que assumiu o mandato com a licença do titular Jamil Zouain (PRP), a 1º de julho: “Esse rapaz que pertence à nova geração, o sr. deputado Theodorico de Assis Ferraço, dinâmico inteligente, combativo, persistente que deu um exemplo de amor à causa pública, nos interesses do estado e à coletividade que representa nesta Casa”.
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Problema nacional
As ações do jovem deputado, segundo Feu Rosa, tornaram a energia no Espírito Santo um problema nacional. Ferraço havia conseguido marcar outra reunião com Castelo Branco, dessa vez para 20 de julho com a presença do ministro das Minas e Energia, Mauro Thibau, que dias depois confirmou visita ao Espírito Santo.
O ministro recebeu informações sobre o sistema de geração, distribuição e preços da energia em sua cadeia produtiva e o colapso no estado. Mas, após afirmar que o governo federal ajudaria na possível encampação da Central Brasileira e apresentaria outras alternativas, Thibau declarou à imprensa que o problema era “genuinamente do Espírito Santo”.
Diante da decepção, Ferraço acenou com manifesto dirigido à população e às autoridades para denunciar o que considerou como falta de atitude do ministro diante do poder econômico da Central Brasileira.
Crise cafeeira
Um dos temas econômicos que mobilizou a Ales foi a crise cafeeira no ES.
Na sessão de 1º de junho de 1966, o deputado Moacyr Dalla (Arena) clamou por socorro aos cafeicultores, vítimas da falta de incentivos, dos baixos preços e da seca. Geraldo Vargas Nogueira, Gustavo José Wernersbach e Teodorico Ferraço, todos do partido governista, pediram recursos federais para impulsionar a safra 1966/1967. O governador Christiano Dias Lopes falava que o Espírito Santo era um nordeste sem Sudene.
Na década de 1970, o Espírito Santo viveu um crescimento econômico, resultado de grandes projetos federais implantados nos anos anteriores. O período marcou, inclusive, o início da cultura do café conilon a partir de mudas vindas da África, mais resistente ao clima quente que o arábica.
Indústrias
É dessa época a criação do Portocel e da Aracruz Celulose que, fundada em 1972, iniciou as operações em 1978.
Anos antes, em 1969, foi inaugurada a usina de pelotização da Companhia Vale do Rio Doce, que já trazia minérios de Minas para o Porto de Vitória desde a década de 1940. Já a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), hoje ArcelorMittal, data de 1974.
O Centro Industrial de Vitória foi construído no governo de Arthur Gerhardt, em Carapina, na Serra. No sul do estado, em Anchieta, foi instalada a Samarco Mineração para pelotizar o ferro vindo de Mariana (MG) e exportar pelo Porto de Ubu.
Novo cenário político
Em 1979, a vida política ganhou novos ares com a Lei da Anistia, que trouxe de volta à cena brasileira exilados, presos políticos e cidadãos que viviam na clandestinidade. Novos partidos foram criados, diversificando a disputa pelo poder institucional em todas as esferas públicas legislativas e executivas.
O Legislativo voltou paulatinamente a ser fortalecido por uma série de fatos políticos marcantes, como o retorno das eleições diretas para governador em 1982, a eleição indireta de um presidente civil em 1985 e a eleição de um Congresso com a função legislativa e constituinte em 1986.
Teve início um novo período na história do país. Em 1989, o Legislativo capixaba escreveu a sua mais importante carta constituinte, ecoando a Constituição Federal de 1988. Assunto para a próxima matéria desta série histórica.
Série histórica sobre os 190 anos da Ales
- Assembleia do ES nasce sob o comando da elite
- Legislativo ganha força com a República
- Golpes de Vargas paralisam Legislativo
- Assembleia retoma ação política após golpes
- Questão agrária pauta Ales na década de 50
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Para a elaboração desta série de matérias sobre os 190 anos da Assembleia Legislativa do ES foram realizadas entrevistas com especialistas e pesquisas jornalísticas no Arquivo Geral e Biblioteca João Calmon, ambos da Ales, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Instituto Jones dos Santos Neves, Biblioteca Pública Estadual, Biblioteca Nacional Digital, Arquivo Nacional, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV RIO), além de consultas a artigos científicos, dissertações, teses e livros publicados