Para apurar uma denúncia de doutrinação religiosa na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Maria Ortiz, em Vitória, a Comissão de Proteção à Criança e ao Adolescente recebeu, nesta sexta-feira (29), Gean Jaccoud, assessor de Relações Institucionais da Secretaria de Estado da Educação (Sedu).
O presidente do colegiado, deputado Alcântaro Filho (Republicanos), afirmou que os alunos estão sofrendo uma “pressão psicológica”, com a imposição de uma religião dentro da escola.
“Está havendo dentro das nossas escolas uma supressão dos princípios cristãos, que formam a base de mais de 90% da sociedade brasileira. Está havendo, com esse discurso de levar conhecimento, uma pressão psicológica para os nossos alunos, distorcendo aquilo que eles têm dentro de casa. Então se fala sobre Islã, se fala sobre religiões afro, mas é proibido falar sobre a Bíblia”, afirmou o parlamentar.
A polêmica envolve denúncias feitas por alunos e pais de que a escola teria promovido um culto religioso com base em religiões de matrizes africanas. Gean Jaccoud, que é especialista na área de educação das relações ético-raciais, diversidade e direitos humanos, negou o fato.
“Antes de mais nada, gostaria de dizer, de ratificar, que em nenhum momento, em absoluto, foi promovido nenhum tipo de culto religioso na Escola Maria Ortiz. Isso é um fato, não foi um culto religioso. O que houve foi uma representação artística, um projeto que está em consonância com a legislação, está em consonância com a Lei de Diretrizes Básicas (LDB)”, falou o convidado.
“Não houve nenhum tipo de culto religioso. Foi uma amostra cultural em alusão ao Dia da Consciência Negra, que contou com diversas outras manifestações. Inclusive com a Banda de Congo Tambores da Lua, que é uma banda de congo famosíssima, que representa a cultura capixaba, cultura afro-capixaba, por assim dizer, teve declamação de poesia, teve música”, acrescentou.
O presidente do colegiado discordou. “Aqui está o grande cerne da questão, vocês falam o que convém a vocês, que é cultura e se isso ali não é uma forma de adoração, por que vocês não colocam louvores nas escolas então? Louvor não está tendo, louvor tem proibição”, questionou Alcântaro.
“É um claro movimento religioso travestido de peça cultural ou artística, tem vídeos em outras escolas e eu tenho aqui que tem encenação, inclusive naquela escola, mais claro ainda, dos rituais que são praticados nos terreiros, pelo candomblé, pela umbanda, dentro da escola, sob pretexto cultural”, opinou Alcântaro Filho.
No entendimento do deputado, esse debate deve ser feito com os pais dos estudantes. “Não cabe a vocês (Sedu) determinar se é uma religião ou não, se tem condão religioso, porque é claro que tem. Quem tem que fazer esse debate é a escola, a Sedu e os pais, vocês estão excluindo os pais”, afirmou o parlamentar.
“Nessa época tão importante que era para se debater a consciência negra, deixa de se falar da consciência negra. A grande maioria dos negros são cristãos. Vocês deixam de respeitar a identidade das pessoas para impor uma narrativa. Não é a Sedu que tem que determinar o que é formação religiosa, entre aspas, cultural, em detrimento dos pais e dos alunos. Se tem que delimitar o que é religião e o que é cultura, o que é história, tem que ter participação da família, tem que ter participação dos alunos”, concluiu.
Direitos humanos
Alcântaro Filho citou a Convenção Americana dos Direitos Humanos para defender seu ponto de vista. “Eu vou ler mais uma vez o que diz o Pacto de São José da Costa Rica, que é a convenção americana de direitos humanos, do qual o Brasil é signatário (…) Os pais ou os tutores têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções”, avaliou.
“O que nós estamos trazendo aqui é que alunos da Escola Maria Ortiz se sentiram constrangidos e obrigados a participar de uma atividade travestida de cultural, mas com cunho religioso, e que não foi dado prévio consentimento e autorização dos pais”, completou o parlamentar.
O assessor da Sedu contestou a fala do deputado. “O relato que eu tive é de que inclusive vídeos, de um vídeo monitoramento lá da escola, de que ninguém foi obrigado a ficar e nem tão pouco proibido de sair. Então, o relato que eu tive, ele contradiz uns relatos que o senhor teve. Pode ser evidentemente que, num caso específico, pode haver algum constrangimento, por parte de alguns alunos. Isso vai ser avaliado e investigado junto à escola”, afirmou Gean Jaccoud.
“O que a gente teve ali foi uma atividade pedagógica, cultural, em alusão a um feriado. Assim como também tem 7 de setembro, assim como também tem a Proclamação da República, tem outros feriados cívicos. O dia 20 de novembro é considerado um feriado nacional, um feriado cívico, em alusão a toda a história”, completou.
Gean Jaccoud também comentou a polêmica relacionada a uma das canções entoadas durante a apresentação. “A música em questão, que virou o bordão de vocês, “O Exu nas escolas”, é uma música, é a declamação de uma música dentro de uma peça teatral, dentro de um escopo de várias outras manifestações culturais que foram feitas na escola. Pegar um recorte isolado de uma declamação de uma música dentro de uma peça teatral, dentro de um projeto cultural que é feito, acho que é complicado a gente analisar apenas por um fragmento”, disse.
O convidado falou da importância do respeito à diversidade, citando que os alunos também participaram, por exemplo, dos Festejos de Nossa Senhora da Penha. “Em toda a oferta e arcabouço cultural e, claro, educacional que a escola oferece, é muito interessante que os estudantes tenham acesso independentemente se concordam com ele ou não. Porque a gente só consegue aprender a viver em sociedade e só consegue ir para o mundo do trabalho se a gente é um cidadão que tem o conhecimento do próximo e o respeito ao próximo”, opinou o convidado.